Ferida
pelo caçador, aonde vai, leva a corça consigo a sua dor: carregando no corpo a
seta cruel. Assim também Maria, depois do funesto vaticínio de S. Simeão levou
conSigo a dor, que consistia na contínua memória da Paixão do Filho. Algrino
aqui aplica o texto dos Sagrados Cânticos: Os cabelos de tua cabeça são
como a púrpura do rei, que é atada em dobras (7, 8). Essa cabeleira
cor de púrpura simboliza a constante contemplação da Paixão de Jesus. A Virgem
a tinha tão viva diante dos olhos, como se já estivesse vendo o sangue a correr
das chagas dEle. Era assim Jesus a espada que atravessava o coração de Maria.
E, a
medida que Ele Lhe parecia mais amável mais profundamente a feria a dor por ter
de perdê-lO um dia.
Consideremos
agora a segunda espada de dor que feriu o coração de nossa Mãe, quando fugiu
para o Egito, a fim de livrar o Menino-Deus da perseguição de Herodes.
Mal
ouviu Herodes que era nascido o Messias esperado, temeu loucamente que o
recém-nascido lhe quisesse usurpar o trono. S. Fulgêncio de Ruspe censura-lhe a
loucura, dizendo: Por que estás inquieto, Herodes? Esse rei, nascido agora, não
vem para vencer os reis em
combate. Não ; ele vem para subjugá-los de um modo admirável,
morrendo por eles. Esperava, pois, o ímpio rei lhe viessem os santos Magos
revelar. o lugar do nascimento do real Menino, a fim de tirar-Lhe a vida.
Vendo-se, contudo logrado, ordenou a morte de todos os meninos que então se
achavam em Belém e seus arredores. Foi então que o anjo apareceu em sonhos a
José com a ordem: Levanta-te, toma o Menino e Sua mãe, e foge para o
Egito (Mt 2, .13).
Segundo
o parecer de Gerson, S. José avisou a Maria na mesma noite, e tomando ambos o,
Menino Jesus, puseram-se a caminho. É isso o que se deduz das palavras do Evangelho:
"E levantando-se, José tomou consigo, ainda noite, o Menino e Sua Mãe e
retirou-se para o Egito". Ó Deus, disse então Maria (como contempla S.
Alberto Magno), assim deve fugir dos homens aquele que veio para salvá-los?
Logo conheceu a aflita Mãe como já começava a verificar-se no Filho a profecia
de Simeão: Eis aqui está posto este Menino como alvo a que atirará a
contradição (Lc 2, 34). Viu que, apenas nascido, já O perseguiam e
queriam matar. "Que pesar para o coração de Maria, escreve S. Pedro Crisólogo,
ao ouvir a intimação do cruel exílio ao qual Ela e o Filho eram condenados!
Foge
dos teus para os estranhos, do templo do verdadeiro Deus para a terra dos
ídolos! Há lástima que se compare à de uma criança que, apenas nascida, já se
vê obrigada a fugir, levada nos braços de sua Mãe?
3.
Incômodos da fugida
Bem,
pode cada qual adivinhar o que padeceu Maria nessa viagem. Da Judéia ao Egito
era muito longe a jornada. Com Sebastião Barradas, fala-se, geralmente, em mais
de cem horas de caminho. Por isso a viagem durou pelo menos trinta dias. Além
disso, como descreve Boaventura Barrádio, era o caminho desconhecido e péssimo,
cortado de carrascais e pouco freqüentado. Estava-se no inverno e a Sagrada
Família teve de viajar debaixo de aguaceiros, neves e ventos, por estradas
alagadas e lamacentas. Quinze anos tinha então Maria; era uma donzela delicada,
nada afeita a semelhantes viagens.
Finalmente
não tinham os fugitivos quem lhes servisse. José e Maria, na frase de S. Pedro
Crisólogo, não tinham nem criados nem criadas; eram senhores e criados ao mesmo
tempo. Meu Deus! como excita a compaixão ver essa tenra virgenzinha, com esse
Menino recém-nascido ao colo, fugindo por este mundo! Boaventura Baduário
pergunta: Aonde iam comer e dormir? em que hospedagem ficariam? Qual podia ser
o alimento deles, senão um pedaço de pão duro trazido por S. José ou recebido
como esmola? Onde hão de ter dormido durante a viagem, especialmente durante as
50 horas da travessia do deserto, sem casas e hospedarias? Onde, senão sobre a
areia ou debaixo de alguma árvore do bosque, ao relento, expostos aos ladrões e
às feras, tão abundantes no Egito? Oh! quem encontrasse então esses três
grandes personagens, tê-los-ia certamente tomado por ciganos e mendigos.
No
Egito Maria habitou em um lugar chamado Matarieh, conforme afirmam Burcardo de
Saxônia e Jansênio Gandense, embora Strabo diga que moravam na cidade de
Heliópolis*. Aí sofreram extrema pobreza, durante os sete anos que permaneceram
escondidos, segundo S. Antonino e S. Tomás e outros autores. Eram estrangeiros,
desconhecidos, sem rendimentos, sem dinheiro e sem parentes. A muito custo
conseguiam sustentar-se com o fruto de suas fadigas. Por serem pobres, escreve
S. Basílio, era-lhes bem penoso conseguir o indispensável para passar a vida.
Ludolfo de Saxônia dá conta - e sirva isso de consolo aos pobres, - que tal era
a pobreza de Maria, que muitas vezes nem tinha um pedaço de pão para o Filho,
quando, obrigado pela fome, Lhe pedia algum.
Morto
Herodes, de novo apareceu em sonhos o anjo a José, ordenando-lhe que voltasse à
Judéia. Aqui, descreve Boaventura Baduário a aflição da Santíssima Virgem pelo
muito que sofreu Jesus durante o regresso. Tinha Ele então sete anos, sendo
grande demais para os braços de Maria, e ainda pequeno para vencer a pé tão
longas estradas.
*
Era Matarieh um subúrbio de Heliópolis e não deve ser trocado pela cidade de
Mênfis, nem pela atual Cairo. – (Nota do tradutor).
5.
Imitação da Sagrada Família pela paciência e desprendimento
Jesus
e Maria passaram pelo mundo como fugitivos. Eis aí uma lição para nós.
Temos
de viver na terra como peregrinos, sem apegos aos bens que o mundo nos oferece.
Pois depressa teremos de deixá-los para passarmos à eternidade. "Não
temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura" (Hb 13, 14). És
um hóspede neste mundo; apenas o vês de passagem, acrescenta S. Agostinho.
Aprendamos com Jesus e Maria a abraçar as cruzes, porque sem elas não podemos
viver neste mundo. Neste sentido foi concedido à venerável Verônica de Binasco,
agostiniana, acompanhar, numa visão, a viagem de Maria e do Menino Deus
para o Egito. No fim da jornada disse-lhe a Mãe de Deus: Filha, viste com que
trabalho chegamos a esta terra. Fica sabendo que ninguém recebe graças sem ter
padecido. - Quem, entretanto desejar sentir menos os trabalhos desta vida, deve
levar em sua companhia a Jesus e Maria.
"Toma
o Menino e Sua Mãe", disse o anjo a S. José. Àquele que traz com amor
a esse Filho e a essa Mãe em seu coração, tornam-se leves e até suaves e
agradáveis todas as penas. Amemo-lOs, portanto; consolemos Maria, acolhendo em
nosso coração a Seu Filho, que hoje ainda continua a ser perseguido pelos
pecados dos homens.
EXEMPLO
Um
dia apareceu Nossa Senhora à venerável Coleta, religiosa franciscana, e
mostrou-lhe o Menino Deus todo chagado, dizendo-lhe então: Vê, assim é que os
pecadores tratam continuamente meu Filho; renovam-Lhe Sua morte e Minhas
dores. Reza muito, minha filha, reza por eles para que se convertam.
Semelhante visão teve Sóror Joana de Jesus e de Maria. Meditando na perseguição
feita ao Menino Deus por Herodes, ouviu um ruído, como se gente armada andasse
perseguindo alguém. Viu em seguida um menino muito formoso que,
completamente esgotado, buscava refúgio junto dela. Joana - disse-lhe o Menino
- ajuda-me a esconder-me; estou fugindo dos pecadores, que, como Herodes, me
perseguem e querem matar.
ORAÇÃO
Assim,
pois, ó Maria, nem depois de Vosso Filho ter sido imolado pelos homens, que O
perseguiram até à morte, cessaram esses ingratos de persegui-lO com seus
pecados, e de afligir-Vos, ó Mãe dolorosa? E eu mesmo, ó meu Deus, não tenho
sido um desses ingratos? Ah! minha Mãe dulcíssima, impetrai-me lágrimas para chorar
tanta ingratidão. E pelas muitas penas que sofrestes na viagem para o Egito,
assisti-me com Vosso auxílio na viagem que estou fazendo para a eternidade,
afim de que possa um dia ir amar conVosco meu Salvador perseguido, na pátria
dos bem-aventurados. Amém.
(Glórias
de Maria por Santo Afonso Maria de Ligório)
Nenhum comentário:
Postar um comentário