REFORMA POLÍTICA E ELEIÇÕES LIMPAS
Pe. Geraldo Martins Dias
Coordenador Arquidiocesano de Pastoral
martinsdias1988@gmail.com
Está nas ruas, desde outubro do ano passado, a campanha de coleta de assinaturas para um novo projeto de lei de iniciativa popular. Construída pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, que reúne 95 entidades, a campanha é liderada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e Plataforma dos Movimentos Sociais.
A urgência de uma reforma política ampla e consistente é uma unanimidade. Nosso sistema político possui uma estrutura que favorece a corrupção e dificulta a efetiva participação popular no exercício do poder. Esta reforma cabe, em primeiro lugar, ao Congresso que, por razões várias, mostrou-se ineficiente nas iniciativas que tomou para esse fim. Por essa razão, as entidades da sociedade civil se mexeram e construíram novo projeto de iniciativa popular com a convicção de que será tão exitoso quanto os dois anteriores que resultaram nas leis 9840/1999 (que combate a compra de votos e o uso da máquina administrativa) e 135/2020 (lei da Ficha Limpa).
Com sete artigos, o novo projeto se assenta em quatro questões: fim do financiamento de campanhas por empresas; eleições proporcionais em dois turnos; maior presença feminina no parlamento e fortalecimento da democracia direta. A proposta modifica as leis 9504/1997 (Lei das Eleições), 4737/1965 (Código Eleitoral), 9096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) e 9709/1998 (regulamentação do Art. 14 da CF).
O financiamento de campanhas por empresas, como ocorre hoje, revela-se uma porta escancarada para a corrupção. Por meio dele, o poder econômico passa a ter uma representação política muito forte, além de encarecer cada vez mais as eleições. Em 2010, por exemplo, as eleições custaram 4,5 bilhões de reais. Segundo a ONG Transparência Brasil, nesse ano, cada deputado gastou uma média de R$ 9,50 por cada voto obtido. É claro que a empresa, ao patrocinar a campanha de um político, obtém retornos, diretos ou indiretos, ou estaria fazendo filantropia?
A proposta do projeto é que os recursos para as campanhas venham da União com rubricas próprias, de multas administrativas e penalidades eleitorais, sendo permitida a doação de pessoa física até R$ 700. Para administrar esses recursos será criado o Fundo Democrático de Campanha, gerenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Fórum de Controle Social, formado por representantes dos partidos, Ministério Público Eleitoral e entidades como a OAB.
O projeto detalha com clareza a distribuição dos recursos que serão destinados aos partidos de modo equitativo e transparente. Prevê, ainda, as penalidades para os que descumprirem a lei, tanto os partidos e candidatos, quanto as empresas. O que se quer é baratear as campanhas, transparência nos gastos, erradicação da corrupção, distribuição igualitária dos recursos e fim da influência do poder econômico nas eleições.
Outra proposta ousada do projeto é o voto em dois turnos para as eleições proporcionais, isto é, a eleição do parlamento. Atualmente, o sistema é de lista aberta e os partidos apresentam um número sem fim de candidatos. O voto do eleitor acaba ajudando a eleger candidatos que ele nem conhece. Isso ocorre por causa da matemática do coeficiente eleitoral que se obtém pela divisão do número de votos válidos pelo número de cadeiras disponíveis no parlamento.
Pela proposta, no primeiro turno, os eleitores votarão nos partidos para definir quantas cadeiras cada partido terá, segundo o critério do coeficiente eleitoral. Isso obrigará os partidos a apresentarem com clareza seu programa de governo e o projeto que tem para o município, estado e país. Ajudará também o eleitor a compreender a importância do partido no processo político.
No segundo turno, só os partidos que conseguiram vagas apresentarão seus candidatos em lista preordenada, escolhidos na convenção partidária com a presença de seus filiados. Cada partido poderá apresentar o dobro de candidatos das vagas obtidas no primeiro turno. Isso reduzirá drasticamente o número de candidatos e os custos de campanhas, além de permitir melhor fiscalização.
O eleitor, no segundo turno, tem assegurado seu direito de escolher a pessoa em quem votar e não terá surpresas quanto aos outros que serão eleitos, como ocorre hoje. Ele saberá quantos daquela lista serão eleitos já que o número foi definido no primeiro turno. Por exemplo, um partido que consegue 10 vagas para a Câmara Federal apresentará uma lista com até 20 nomes. Ficará claro para o cidadão que, daquela lista, dez serão eleitos.
O terceiro ponto apresentado pelo projeto trata da sub-representação das mulheres na política. O Congresso Nacional tem, hoje, apenas 9% de representação feminina. Para se ter uma ideia, essa representação é de 49,2% em Cuba; 40% na Argentina e 36% em Costa Rica. A Câmara de Vereadores de Mariana, por exemplo, possui 15 cadeiras. Apenas uma é ocupada por mulher. Se considerarmos que 51% dos eleitores brasileiros são mulheres, fica clara a necessidade de melhorar o sistema político para garantir maior presença feminina no parlamento. É isso que o projeto pretende.
O quarto e último ponto do projeto diz respeito ao aperfeiçoamento dos mecanismos previstos na Constituição Federal para a democracia direta: plebiscito, referendo e projetos de iniciativa popular.
A nova formulação proposta pela Coalizão no projeto resgata a noção de soberania popular propondo que grandes questões nacionais não sejam definidas sem ouvir o povo por meio de um desses três mecanismos. Estão entre essas questões: concessões de serviços públicos, privatizações, construção de obras com grande impacto ambiental, alienação de bens públicos. Além, disso, propõe que a coleta de assinaturas para projetos de lei de iniciativa popular seja feita também por meio de urnas eletrônicas e pela internet, cabendo à justiça eleitora conferir as assinaturas.
O projeto toca também em questões referentes à propaganda eleitoral, determina a forma de prestação de contas durante a campanha, proíbe a mudança de partido definindo que o mandato é do partido e não do candidato, estabelece que a troca de candidatos seja feita, no máximo, até 60 dias antes da eleição, exige que a declaração de bens do candidato coincida com sua declaração de imposto de renda.
A proposta, como se vê acima, é ampla e ousada. Sua aprovação trará significativas mudanças na estrutura do atual sistema político brasileiro. O êxito desta empreitada, no entanto, depende da adesão popular. Estamos confiantes de que a população responderá positivamente a mais esta iniciativa que visa à solidificação da democracia brasileira.
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