Ó vós que passais pela estrada,
atendei e vede, se há dor semelhante à minha dor (Jr 1,12). Almas devotas,
escutai o que hoje vos diz a Mãe dolorosa: Filhas diletas, não quero
que procureis consolar-Me, porque Meu coração já não pode achar consolação na
terra, depois da morte de Meu caro Jesus. Se quereis dar-Me gosto, vinde e
vede se houve no mundo dor semelhante à Minha, ao ver como Me arrebataram com
tanta crueldade Aquele que era todo o Meu amor. Mas, Senhora, já que não
buscais consolo, mas antes sofrimento, eu Vos direi que nem com a morte de
Vosso Filho findaram as Vossas dores. Ainda hoje, daqui a pouco, sereis ferida
dolorosamente por uma espada. Vereis uma lança cruel transpassar o lado de
Vosso Filho, já sem vida. E depois tereis de receber, em Vossos braços, Seu
corpo descido da cruz.
Estamos na sexta dor da pobre Mãe de
Jesus.
Contemplemo-la com atenção e lágrimas
de piedade. Até então vieram as dores cruciar Maria, uma a uma. Mas agora
assaltaram-nA todas juntas. Basta dizer a uma mãe que seu filho morreu, para
toda inflamá-la o amor ao filho que a deixou. Para consolo das mães atribuladas
com a perda de algum filho, costumam pessoas recordar-lhes os desgostos que
deles receberam. Porém eu, ó minha Rainha, se quisesse consolar-Vos pela morte
de Jesus onde acharia algum desgosto dado por Ele, para vo-lo recordar?
Ah! Ele sempre Vos amara, sempre Vos
obedecera e respeitara. Agora O perdestes. Quem há que possa exprimir Vossa
aflição? Exprimi-a Vós mesma, que cruelmente a sofrestes!
Morto nosso Redentor, diz um piedoso
autor, acompanharam-Lhe a alma santíssima os amorosos afetos da excelsa Mãe,
para apresentá-la ao Eterno Pai. Disse talvez o seguinte: "Apresento-Vos,
ó meu Deus, a alma imaculada do Meu e Vosso Filho, que Vos obedeceu até a
morte; recebei-a em Vossos braços. Eis satisfeita a Vossa justiça e executada a
Vossa vontade; eis consumado o grande sacrifício para eterna glória Vossa".
Voltando-Se depois para o corpo inanimado de Seu Jesus: " Ó chagas,
disse então,chagas amáveis, congratulo-Me convosco, porque por meio de vós
foi dada a salvação ao mundo. Permanecereis abertas no corpo de Meu
Filho, como refúgio de todos quantos recorrem a vós. Quantos por vós hão de
receber o perdão de seus pecados e inflamar-se no amor do Sumo Bem!
2. A dolorosa cena do
lanceamento
Por que não ficasse desfeita a festa
do dia seguinte, sábado pascal, exigiram os judeus fosse logo retirado da cruz
o corpo do Senhor. Mas como não podiam retirar o sentenciado antes de estar
certamente morto, vieram alguns algozes, com pesadas clavas de ferro, e
quebraram as pernas aos dois ladrões crucificados. Aproximaram-se também do
corpo de Jesus. Enquanto chorava a morte de Seu Filho, vê Maria esses homens
armados que se chegam a Jesus. Estremece de terror, mas logo Lhes diz: Ai!
Meu Filho já está morto: deixai de ultrajá-lO ainda mais, e de ainda mais Me
atormentar o pobre coração de mãe desolada!
Pediu que não Lhe quebrassem as
pernas, observa Boaventura Baduário. Mas enquanto assim falava, ó Deus! vê um
soldado erguer com ímpeto a lança e com ela abrir o lado de Jesus. "Um
dos soldados lhe abriu (a Jesus) o lado com uma lança, e imediatamente saiu
sangue e água" (Jo 19,34). A esse golpe de lança tremeu a cruz e
o Coração de Jesus foi dividido, como por revelação o soube S. Brígida.
Saiu sangue e água, pois do primeiro restavam apenas essas últimas gotas. Quis
o Salvador derramá-las para nos mostrar que já não tinha sangue que nos dar.
Foi para Jesus a injúria desse golpe de lança, mas a dor sentiu-a a Virgem Mãe,
diz Landspérgio. Querem os Santos Padres que tenha sido propriamente essa a
espada predita à Virgem por Simeão. Não foi uma espada de aço, mas de dor que
transpassou a Sua alma bendita, no Coração de Jesus onde sempre morava. Entre
outros, diz S. Bernardo: A lança, que abriu o lado de Jesus, transpassou a alma
da Virgem, que não podia separar-Se do Filho. Ao ser retirada a lança-
revelou a Mãe de Deus a S. Brígida - o sangue de Meu Filho tingia-Lhe a
ponta; parecia-Me nesse momento que Meu coração estava transpassado, ao
ver que o do Meu Filho fora rasgado pelo golpe. E à mesma santa disse o
anjo, que só por um milagre escapou Maria de morrer naquela ocasião. Nas outras
dores, a Virgem tinha o Filho a seu lado, mas nem semelhante conforto lhe resta
agora.
3. A Mãe dolorosa recebe nos braços o
Filho sem vida
A atribulada Senhora receava,
entretanto, que fizessem outras injúrias a Seu amado Filho. Pediu a José de
Arimatéia lhe obtivesse, por isso, de Pilatos o corpo de Jesus, para que ao
menos depois de morto o pudesse preservar dos ultrajes dos judeus. Foi José ter
com Pilatos, expôs-lhe a dor e o desejo da aflita Mãe. Segundo o
Pseudo-Anselmo, Pilatos, compadecendo-se da Mãe, Lhe concedeu o corpo do
Redentor. Eis que descem o Salvador da cruz em que morrera! Ó Virgem
sacrossanta, destes com tanto amor Vosso Filho ao mundo, e vede como Ele vo-lO
entrega! Por Deus, exclama a Senhora, em que estado, ó
mundo, Me entregas Meu amado Filho! Era Ele o Meu querido, branco e rosado (Ct
5, 10); e tu mO entregas negro pelas contusões e rubro não pela cor,
mas pelas chagas de que O cobriste?! Era belo e ei-lO agora desfigurado!
Encantava com Seu aspecto, mas causa horror agora a quem O vê! Quantas
espadas feriram a alma dessa Mãe quando em Seus braços depuseram o Filho
descido da cruz! diz um autor sob o nome de S. Boaventura. Contemplemos o
indizível sofrimento de uma mãe à vista do Seu filho sem vida.
Conforme as revelações de S. Brígida,
encostaram três escadas para descerem o corpo de Jesus. Primeiro desprenderam
os santos discípulos as mãos, depois os pés e entregaram os cravos a Maria,
como refere Metafrastres.
Segurando o corpo de Jesus, um por
cima e outro por baixo, o desceram da cruz.
Ergue-se a Mãe, relata Bernardino de
Busti, estende os braços para o Filho, abraça-O e senta-Se aos pés da cruz.
Contempla-Lhe a boca aberta e os olhos obscurecidos; examina Seu corpo rasgado
pelas chagas e os ossos descobertos. Tira-Lhe a coroa, e vê que horríveis
chagas os espinhos fizeram naquela sagrada cabeça. Olha finalmente as mãos e os
pés transpassados pelos cravos e diz: Ah! Filho, a que extremos Vos
reduziu Vosso amor pelos homens! Que mal lhes fizeste para que assim Vos
maltratassem? Vós me eras pai, irmão e esposo, - fá-lA dizer Bernardino de
Busti; eras minha glória, minha delícia e meu tudo. Filho, vê como
estou aflita, olha-Me e consola-Me. Mas ai! não Me falas mais, porque estás
morto. E dirigindo-Se aos instrumentos de martírio: Ó espinhos
cruéis, ó desapiedada lança, como pudestes assim atormentar vosso Criador? Mas
por que acuso os espinhos, os cravos? Ah! pecadores, fostes vós que assim
maltratastes a Meu Filho!
4. Queixas de Maria sobre os
pecadores
Assim então Maria Se queixou de nós.
E se agora pudesse sofrer, que diria? Que pena sentiria, vendo que os homens,
mesmo após a morte de Jesus, continuam a maltratá-lA e crucificá-lA com seus
pecados? Nunca mais atormentemos, pois, essa Mãe aflita! Se pelo passado a
afligimos com nossas culpas, façamos agora o que Ela nos diz. Mas que é que nos
diz? "Tomai isto a sério, vós prevaricadores" (Is 46, 8).
Pecadores, voltai ao ferido Coração de Jesus; arrependei-vos, que ele vos
acolherá.
Pelo abade Guerrico, nos diz ainda a
Senhora: Fugi de Jesus vosso Juiz, para Jesus, vosso Salvador; fugi do
tribunal para a cruz!
A Santíssima Virgem revelou a S.
Brígida que, quando desceram Seu Filho da cruz, Ela Lhe cerrou os olhos, mas
não pode fechar os braços. Jesus dava-nos assim a entender que Seus braços hão
de ficar sempre abertos para acolher todos os pecadores arrependidos.
Ó mundo, continua Maria, "eis
que agora estás no tempo, no tempo de amor" (Ez 16, 18). Meu Filho
morreu para salvar-te; já não é para ti um tempo de temor, mas de amor. É tempo
de amares Aquele que tanto quis sofrer, para provar quanto te ama. O Coração de
Jesus foi ferido, diz S. Boaventura, a fim de nos mostrar pela chaga visível o
Seu amor invisível. E alhures o Santo faz Maria dizer: Se Meu Filho
quis que Lhe fosse aberto o lado para dar-te Seu coração, é justo que Lhe dês
também o teu.
Se, portanto, quereis, ó filhos de
Maria, achar lugar no Coração de Jesus, sem receio de repulsa, ide a ele juntamente
com Maria, por quem alcançareis tal graça. Assim nos exorta Hubertino de
Casale.
EXEMPLO
Na cidade de Casena, viviam dois
amigos muito viciados. Um deles, Bartolomeu, apesar da má vida, tinha por
costume recitar todos os dias o Stabat Mater. Recitando-o, certa
vez, pareceu-lhe que, com um seu amigo, se achava dentro de uma enorme
fogueira. Viu então como a Santíssima Virgem lhe estendeu a mão, a Ele,
Bartomeu, para o tirar do meio das chamas e dEla recebeu o conselho de pedir
perdão a Nosso Senhor. E Jesus mostrou-Se pronto a perdoar por causa da
intercessão de Sua Mãe Santíssima. Mal terminara essa visão, quando vieram
contar a Bartomeu que seu amigo tinha sido mortos a tiros. Viu assim o pecador
que não fora puro sonho o que a imaginação lhe mostrara. Deixou por isso o
mundo, e entrou para a Ordem dos Capuchinhos. No convento, levou uma vida
austera e penitente, morrendo, por fim, em fama de santidade.
ORAÇÃO
Ó Virgem dolorosa, ó alma grande
pelas virtudes e também pelas dores, pois que ambas nascem do grande incêndio
do amor que tendes a Deus, o único objeto amado por Vosso coração. Ah! minha
Mãe, tende piedade de mim, que não tenho amado a Deus e tanto O tenho ofendido.
Vossas dores me enchem de grande confiança, e me fazem esperar o perdão. Mas
isso não me basta; quero amar a meu Senhor. E quem me pode alcançar essa graça
melhor que Vós, que sois a Mãe do belo amor? Ah! Maria, a todos consolastes;
consolai também a mim. Amém.
(Glória de Maria por
Santo Afonso Maria de Ligório)
Nenhum comentário:
Postar um comentário